jeudi 24 juin 2010

É preciso proteger a criança

"É preciso proteger a criança. Mas é necessário atribuir ao adulto tantas intenções nefastas? É necessário fazer dele um predator?".
O questionamento é de Antoine Carlioz, pesquisador em oncologia e padre da Comunidade Mission de France, em artigo para o jornal Le Monde, 21-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Eis o texto.

Quando eu visito os Estados Unidos, é muito estranho, eu nunca encontro crianças. Nenhuma criança nas ruas, jamais uma criança sozinha. Sempre acompanhadas por um adulto. A criança é talvez uma espécie protegida? Protegida do quê?
Fiz lá um curso de formação obrigatório para aprender a evitar toda situação de risco, isto é, qualquer relação particular com uma criança. Jamais ficar sozinho com um menor de idade em uma sala – deixar a porta aberta, ou então obter a presença de outro adulto. Tive que entender que aqui as crianças são uma presa potencial. Porque os predadores somos nós, os adultos, os educadores, os voluntários. Todos obsessivos. Todos apresentam um risco potencial de comportamento abusivo com relação às crianças. Abusos sexuais, gestos fora de lugar, uso da autoridade, palavras inadequadas que podem constituir uma agressão para a criança. Vocês não sabiam disso? Esse curso de formação serve justamente para lhes advertir sobre tudo o que é preciso evitar, tudo aquilo pelo qual vocês poderiam ser perseguidos judicialmente.
Esse país está completamente traumatizado pelos abusos de crianças. Escândalos estouraram em todos os lugares. É um sofrimento para todos. Mas eu lhes reservei o melhor. Porque o pior predador de crianças, o perigo comprovado é o padre! Precisei de um pouco de tempo para compreender que eu era um criminoso potencial. Isso me deixou muito mal. Foi necessário que eu me convencesse – a fim de adotar os comportamentos adaptados – que toda situação em que me encontro a sós com um menor de idade apresenta um forte potencial de risco. Portanto, aprendi.
"Atenção: criança". Comumente, esse aviso visa proteger as crianças dos riscos potenciais: saída da escola, parada de ônibus, zona de brinquedos. Mas eu aprendi que "Atenção: criança" pode também significar: atenção, risco para mim, adulto; atenção, cuida os teus gestos. Portanto, aprendi. Para me proteger, eu aprendi a entrar na pele de um predador – ou de um delinquente sexual arrependido. Se estou na casa de amigos, presto atenção para nunca ficar sozinho com uma criança. Esforço-me para seguir os adultos em todos os lugares, da sala de estar à cozinha, da geladeira à pia. E, se necessário, até mesmo ao banheiro. Se telefono aos meus amigos, e um de seus filhos atende, eu desligo imediatamente por medo de. . . enfim, nunca se sabe! Telefono novamente até que eu ouça a voz de um dos pais. Quando eu encontro uma criança, mudo de trajeto, por medo de que alguma coisa na minha atitude seja interpretada como ameaçadora ou abusiva. A acusação potencial está em todo o lugar. Cometi algumas imprudências. Às vezes, não tive bom senso. Por sorte, sem consequências. É preciso prestar atenção, algumas vidas foram arruinadas por causa de certas acusações. Também na França foram vistos indiciados se suicidarem após uma ação judiciária baseada em uma acusação. . . que no fim se revelou mentirosa.
A proteção da criança é uma prioridade. Uma prioridade mundial. A criança é vulnerável, inocente. Merece a proteção da sociedade. A criança é o nosso futuro, é aquela na qual projetamos nossos sonhos de sucesso, é o objeto de todo o nosso amor. A criança é a nossa ambição ressuscitada, é uma vida renovada para a nossa pureza decaída. A criança é a redenção feita carne e da qual podemos cuidar dia após dia. A proteção da criança é uma prioridade. O adulto, ao contrário, é a perversão sutil, que dá de si uma imagem atraente maquiando suas rugas. O adulto é o compromisso com a impureza.
É preciso proteger a criança: essa convicção se apoia em parte em um imenso insulto feito ao adulto, em uma ferida inconsolável, a da inocência perdida. Nisso, existe uma recusa da maturidade. Porque, nós, adultos, não temos mais essa inocência infantil. Mas era tão necessário atribuir ao adulto tantas intenções nefastas? Era necessário fazer dele um predador?